Uma das histórias que mais me
impressionaram na minha infância foi um conto de Hans Christian Andersen
chamado “A vendedora de fósforos”. A história se passa no dia de Natal numa rua
dinamarquesa e a pequena vendedora, de pés descalços na neve e sem vender nada
de sua mercadoria, morre de frio e fome sonhando com as comidas das casas que
não lhe abriam as portas e abandonada pelas pessoas que lhe viravam as costas
na rua. É um conto que retrata o “de um lado esse carnaval, do outro a fome
total” da música de Gilberto Gil, ambientado na Dinamarca do século 19.
Contudo, a Copenhague aonde
cheguei na antevéspera de Natal tinha uma cara totalmente diferente. Uma cidade
extremamente limpa, rica, de pessoas cortesas, sorridentes e que se mostraram
felizes em ajudar sempre que precisei. Uma cidade com corações vermelhos
espalhados por todas as partes nas decorações natalinas e nas fachadas de
algumas casas. A Dinamarca, ao contrário da impressão que tive quando li o
conto na infância, estava de braços abertos e sorrisos no rosto esperando por
mim e pelas centenas de turistas que a visitariam naquele período.
Meu hostel ficava exatamente no
coração de Copenhague, a apenas alguns minutos da estação central
Na área comum do hostel |
Dali em diante, era só chegar,
deixar as malas no locker até a hora do check-in e ir explorar aquela antiga
vila viking fundada no século X depois de Cristo, que floresceu para ser uma
das cidades mais lindas, mais tranquilas e mais caras do mundo! Sim, em
Copenhague eu descobri exatamente porque meus amigos europeus ou não, evitam ao
máximo viajar à Escandinávia. Um exemplo? Estou caminhando naquele frio
maravilhoso, coberto dos pés à cabeça e buscando um cantinho quente por alguns
minutos para continuar percorrendo as ruas. Resolvi tomar um café latte numa
tendinha dessas sobre a calçada. Cheguei, fiz o meu pedido, o rapaz olhou para
mim e disse, sorridente: 40 coroas, por favor.
Aquele sorriso cordial, escondendo um pérfido “Se pensas que estás rico
pelas poucas centenas de coroas que tens no bolso, verás que em três dias
ficarás sem tostões se continuares a tomar cafezinho”. 40 DKKs são
aproximadamente 5.38 euros (no dia da compra 18.3 reais) - por um latte médio! Choquei, surtei, quase tive um piripaque.
Comecei a calcular quanto tinha e descobri que precisaria fazer duas coisas: ou
viver a pão e água, ou viver de água. Me decidi pela terceira: usar o que
tinha, distribuindo um valor máximo para cada dia. No final das contas, o
dinheiro acabou, mas posso dizer que valeu a pena. Não sei se um dia volto lá,
então, o que fiz, foi bem feito. Afinal, diz a sabedoria popular que dinheiro é
ganho para ser gasto; da vida a gente só leva as experiências; se dinheiro
fosse bom, nasceria em árvore. Então, vamos esquecer a quase bancarrota e ser
feliz na Dinamarca recitando provérbios consoladores.
Deslumbramento e tensão
No dia 23 todas as atrações estão
abertas. No entanto, em 24 e 25 de dezembro quase tudo – inclusive restaurantes
(salvo os chics e caros) – fica fechado. Portanto, se vier à Escandinávia nesse
período, lembre-se de visitar os lugares antes ou depois dos referidos dias,
senão pode fazer como eu, acostumado com o consumismo exacerbado da Bahia onde
tudo fica aberto todos os dias (exceto pelas lojas de rua), e não se ligar em
visitar alguns museus e outros lugares fechados assim que chegarmos, tendo como
resultado não poder entrar neles por causa do feriado (verdadeiro por aqui).
Mas, museus e galerias à parte,
Copenhague nos brinda com lugares a céu aberto imperdíveis e sem
Âncora em homenagem aos mortos na II Guerra - Nyhavn |
Partindo de Nyhavn, basta cruzar uma
ponte no final da rua na direção do mar e ir até o Copenhagen Street Food, um
lugar bem bacana, dentro de um prédio, onde se pode saborear a culinária de
várias partes do mundo, inclusive do Brasil (no quiosque de nome Brasa). Além
da comida e bebida, pode-se também escutar música ao vivo, entre outras formas
de arte. No verão a coisa por lá fica bem mais agitada com direito a banho de
mar e tudo. Para mais informações, visite o site deles: http://copenhagenstreetfood.dk/en/.
Eu recomendo.
O bom em Copenhague é ir andando
e descobrindo pequenas coisas interessantes como estátuas, barzinhos, parques e
ruas pitorescas com casas coloridas e prédios de arquitetura interessante. Deixei
meu roteiro (quase) de lado e tomei as ruas cortando canais, me impressionando
com a quantidade de bicicletas e bicicletários que faziam um mar de rodas e
guidons aparecerem diante de nós. Nunca vira tantas bicicletas juntas em um só
lugar. Pensava que esse era um costume apenas em Amsterdã, mas, pelo que vi em
ambas as cidades, Copenhague deixou a cidade holandesa no chinelo neste
quesito. É impressionante ver a quantidade de pessoas circulando de bike pelas ruas. Quase tão impressionante como um restaurante que vi no meio de uma praça
próxima à Torre Redonda (atração turística de onde você pode ver toda a cidade
a partir do topo).
Estamos acostumados a ver frango
sendo assado naqueles fornos grandes postos sobre a calçada, mas
jamais vira um
leitão inteiro, partido em banda, sendo assado no meio da rua! Olhei aquilo e
pensei que talvez me tornasse vegetariano um dia – um dia. O churrasqueiro (ou sei-lá-o-quê), ao me ver
fotografar, me convidou a experimentar o leitão, mas eu, com o estômago meio
embrulhado, preferi continuar andando em busca de Christiania.
Não, não se trata de uma princesa
dinamarquesa de longas tranças loiras esperando um cavaleiro encantado. É uma área
autônoma com leis próprias, fundada por hippies, artistas e anarquistas na
década de 1970, dentro da cidade de Copenhague. Em todos os blogues e vídeos de
viagem que vi, falaram sobre o lugar como um sítio imperdível para os turistas.
A ideia que todos esses blogueiros e vlogueiros vendem é de um paraíso meio no
estilo socialismo utópico, Kibutziano que me fez pô-lo como principal atração a
ver na cidade. No entanto, minha opinião é totalmente o contrário disso aí. O
lugar me pareceu uma cidade futurista do tipo Mad Max, onde sobreviventes de
uma hecatombe nuclear se reuniram para criar uma sociedade decadente e
assustadora onde o consumo e comércio de drogas são liberados. Entrei no lugar com
olhos de admiração e saí de lá apressado após cinco minutos. Me pareceu um
gueto onde viciados e traficantes se escondiam da polícia e criavam um estado
paralelo num ambiente bem ao estilo Doom’s Day. No entanto, quem vive lá diz
que quer apenas poder criar seus filhos e viver longe do caos da cidade.
Christiania - A cidade dentro de Copenhague |
Não sei, cabe a cada um
experienciar e tirar suas próprias conclusões. O que sei é que ao sair de lá,
fui direto à Vor Frelsers Kirk (Igreja do Salvador), numa tentativa de tirar de
cima de mim a nuvem de almas malfazejas que porventura tivessem tentando se
acercar por causa daquela visita a lugar tão sinistro. Fiquei lá, contemplando
a beleza da igreja, a paz, o silêncio daquele edifício em cujo topo há um
mirante de onde se tem uma visão espetacular de Copenhague, não pude subir, no
entanto, porque estava fechado a visitas.
Mais
uma vez Hans Christian Andersen
Uma outra atração imperdível em
Copenhague é aquela que os críticos consideram a segunda mais
A Pequena Sereia |
Kastellet |
Após deixar Ksatellet, lembre de
passar na igreja de Saint Alban – bem bacana.
“Então
é Natal, a festa cristã”
Em minha família o Natal é uma
data muito querida e aguardada, não só pela linda mensagem religiosa do
nascimento do filho de Deus para iluminar os homens, como também por podermos
nos reunir em família e encontrarmos os entes queridos que vivem distantes ou
que o dia-a-dia distancia. Mas esse ano eu estava ali em Copenhague, longe de
todos e ainda sem saber o que fazer na minha noite de Natal, uma vez que nada
funciona na capital dinamarquesa e as ruas estão totalmente desertas. Enquanto
tomava café, duas vizinhas minhas de Salvador que estavam no mesmo quarto que
eu (as conheci em Copenhague) me disseram que o hostel iria organizar uma festa
à noite e que poderíamos participar. Achei que seria melhor do que ficar no quarto
assistindo a edição de Natal de Sense8 ou algum filme, ou choramingando pelo
Skype enquanto o pessoal lá em casa se arrumava pra ceia. Pois bem, depois de
muito andar durante o dia, fui para a área comum do hostel sem esperar muita
coisa. Comprei um Irish coffee, sentei numa mesa, e esperei. Em poucos minutos
minha mesa estava cheia de gente saudosa de casa e muito afim de fazer novas
amizades. Sentamos todos a conversar, comer e rir muito. Pessoas de países
diferentes, culturas diferentes, ali, reunidos pela festa mais significativa do
mundo abrindo os corações e deixando a alegria da vida inundá-lo. Hans
Christian Andersen deveria estar ali, contente de ver como a sociedade que um
dia ele descreveu havia se transformado na noite de Natal.
Igreja de Mármore - Copenhague |
O que ver e fazer em Copenhague:
Palácio de Malienborg (ver a troca da
guarda às 11:30)
Igreja de Mármore
St Alban’s church
Kastellet (ver a pequena sereia)
Castelo de Rosemborg
The round Tower
Tycho Brahe
Planetarium
Tivoli Gardens
Gammel Strand
Stroget
Vor Frelsers Kirk (The
Savior Church)
Christianshavn
Christiania (??)
Copenhague Street Food
(restaurant brasileiro Brasa)
Borsen - a Antiga Bolsa de Valores de Copenhague |
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2 comentários:
Que post lindo!!! Me vi andando em Copenhague através da sua narrativa. Imaginei cada detalhe: do latte mega caro, da área dos hippies, do Natal com as vizinhas de SSA, dentre outros. Só aumentou a minha vontade de conhecer a Dinamarca.
Beijos
Obrigado! Fico feliz que tenha podido inspirar vocês com esse post. Vocês sempre me inspiram com os seus e são sempre a primeira fonte que busco para planejar meus roteiros!
Muitas viagens para nós!
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