quarta-feira, março 29, 2017

Estocolmo - Suécia - o charme escandinavo


O metrô me deixou praticamente à porta do hostel, o que foi excelente porque as ruas estavam cobertas de neve e gelo derretidos e o frio estava muito intenso. O lugar onde me hospedei não era exatamente como eu esperava pelas fotos do booking.com. De maneira que aquela sensação de "oh, rapaz, o que é que eu vim fazer aqui?" foi justamente a que tive quando comecei a descer as escadas úmidas na direção da recepção - o hostel fica abaixo do nível da rua e parece ter sido reaproveitado do antigo porão daquele edifício.

Parei de frente ao balcão, olhei pra um lado e outro me perguntando onde havia me metido até que a recepcionista chegou com um sorriso enorme estampado no rosto para me dar as instruções de conduta e me passar os códigos para abrir as portas da rua e do quarto com a recomendação ameaçadora: "não esqueça esses números, pois a recepção não funciona à noite e está muito frio lá fora" - e o olhar que dizia "você não vai querer ficar ao relento, não é?!".

Me entregou os lençóis e voltou a desaparecer pelos corredores daquele "hostel Califórnia". Fiquei lá parado, sensação de "ai, Jesus!" e o pensamento de se em breve eu seria um dos "pretty, pretty boys that she calls her friends" que podia "fazer o check out a qualquer hora, mas que jamais poderia ir embora", conforme diz a música do Eagles.

Peguei minha malinha e me mandei até o quarto lembrando de minha experiência em Roma no ano anterior (http://marciowaltermachado.blogspot.com.br/2015/12/europa-em-60-dias-roma-italia.html) e rezando para que a história não se repetisse.

Digitei meu código, a porta se abriu. Vi o beliche, a cama e o armário onde não cabia nem o dedo mindinho. Não havia janelas, não havia ventilação, só havia um rapaz que acordou assustado, falando numa língua que eu não entendia mas que me lembrava algo semita.

Respondi a ele em inglês que eu era brasileiro e não falava sueco. Ele me disse: "Não é sueco, é árabe. Eu pensei que você fosse da Argélia ou do Marrocos". Aquela era nova! Já me haviam chamado de mexicano, búlgaro, espanhol, estadunidense, português, mas nunca argelino ou marroquino.

Olhei minhas mãos, as quais, tal qual meu rosto, vinham sendo queimados pelo gelo e pelo vento desde a Polônia, me deixando com a pele bronzeada como se eu tivesse ido à praia por vários dias.

Se por um lado a confusão étnica foi divertida; por outro, me deixou preocupado. Pois instantaneamente me lembrei das manifestações neo-nazistas em marcha pelas ruas de Borlänge em maio de 2016 https://www.theguardian.com/world/2016/may/04/woman-defied-neo-nazis-sweden-tess-asplund-viral-photograph), e pensei que talvez a minha morenice dourada pudesse alimentar ódios numa Europa cada vez mais anti-islâmica - graças a Deus foi só um receio. Os suecos que conheci foram todos muito queridos comigo. 

Estocolmo - a capital arquipélago

A cidade de Estocolmo se situa num arquipélago composto por 14 ilhas unidas por várias pontes, o que em si mesmas já forma uma atração turística. Há, inclusive, passeios de barcos pelos canais, o que é uma ótima pedida para ver a cidade.

Mas, se você prefere andar, vai ver o quão impressionante é caminhar pelas ruas e se ver cercado de mar e pontes por todos os lados. No inverno, então, isso se torna uma atração incrível para os turistas dos trópicos que podem ver o mar como uma camada infinita de gelo se espraiando do cais ao horizonte.

Nos dias em que estive lá, para minha sorte, o mar estava congelado. Parei algumas vezes ao cais para observar a balsa quebrando o gelo e ouvir o barulho que isso faz - uma experiência maravilhosa, mesmo com a neve caindo e o frio soprando cruel.

Como meu hostel ficava bem no centro da cidade, de lá pude ir andando para todas os locais que havia planejado (no final do post, escrevo uma lista do que fazer), então, embora o sistema de transporte público seja um dos melhores do mundo, eu não o experimentei a não ser para ir do aeroporto ao centro e vice-versa.

O que experimentei a valer foi a observação da arquitetura medieval das casas e prédios totalmente bem conservados de Gamla Stan (Cidade Antiga) e das outras partes da capital sueca aonde fui.

Pelo caminho, pude perceber como as ruas são extremamente limpas e seguras, o povo muito cortês e atenciosas, os monumentos bem conservados e um charme único que parecia exalar por todas as partes. Estocolmo, também chamada de "A Veneza do Norte" devido aos seus muitos canais, não mentiu a todas as recomendações que recebi. 

Cidade Velha - Estocolmo
Quem diria...
No meu último dia na cidade, resolvi deixar a economia de lado (é muito mais barato - especialmente na Escandinávia! - comprar comida no supermercado que ir a restaurantes ou fast-foods). No entanto, eu resolvi "tirar o escorpião do bolso" e gastar minhas coroas suecas (SEK) num bom prato típico.
Cozido Sueco
Após passear mais uma vez pelo centro histórico - vale muito a pena ir e voltar à Gamla Stand, a cada vez, vemos coisas diferentes e pitorescas -, a fome apertou e eu comecei a deixar de olhar os topos dos prédios e relógios antigos para me concentrar nos menus postados às portas dos restaurantes. Encontrei um muito charmoso chamado Pickwick Pub & Restaurant. 

Entrei por aquela porta pesada, de madeira fosca, e logo fui conduzido pela garçonete a uma mesa bem aconchegante. Pedi um prato de almôndegas suecas com puré de batatas. Quando o prato chegou, o cheiro se impregnando em minhas narinas famintas, levei a primeira garfada à boca para me apaixonar pela comida. O sabor do molho me lembrou muito o queijo doce que havia comido na Noruega.

Então, perguntei o que fazia daquele prato "almôndegas suecas" em vez de "almôndegas brasileiras". A menina, sempre muito atenciosa, me perguntou se eu vinha do Brasil. Quando lhe respondi que sim, ela me pediu um minuto e voltou com uma outra atendente que logo me perguntou em português: "Então você é brasileiro! O que faz aqui nesse frio da Suécia?" quase sem sotaque.

Diante da minha cara de espanto e alegria por ouvir minha língua sendo falada lá no topo do mundo, com algumas palavras sendo pronunciadas com uma leve entonação nordestina, a Diana riu e me contou sua história pelo Brasil, país onde havia morado por alguns anos e onde tinha estabelecido uma pousada - se não me engano, no Ceará - e do qual ela tinha sentimentos variantes entre saudade, dó, amor e decepção.


Dentre tudo o que conversamos, me chamou muito a atenção uma pergunta que a Diana me fez: "É uma pena o que fazem com a educação de vocês. Por exemplo, o ensino de inglês nas escolas públicas. Aqui todo mundo fala inglês, fluente, que a gente aprende na escola... mas no Brasil, me dá pena dos meninos lá... pra onde vai o dinheiro de vocês? É muita corrupção, né?". Pra onde vai? Tristeza ver que o mundo se pergunta e a gente não consegue fazer nada pra mudar a resposta. 

Hora de dizer tchau
Passei apenas dois dias em Estocolmo, tempo suficiente para ver tudo o que tinha planejado e ainda conhecer gente bacana tanto no hostel quanto fora dele.

Há coisas interessantíssimas para fazer e ver e comer por lá e eu recomendo a viagem por todos os motivos. Quero voltar a Estocolmo um dia e poder dar a Diana a resposta que ficou calada entre minhas cordas vocais e meus lábios - só não sei se conseguirei, pois continuamos a eleger, ano após anos, os mesmos políticos corruptos e sua prole - e me hospedar num hostel-navio que encontrei em minhas andanças (imagine a sensação de ficar hospedado num navio no meio do mar congelado!) fazer coisas em outras cidades bacanas, como Malmo, Uppsala, Helsingborg. Quem sabe um dia!

Afinal, a terra da rainha Sofia, a rainha de sangue brasileiro, encanta os olhos e os sentimentos e, mesmo no frio inverno cinza, nos beija a alma docemente. 



O que ver/fazer em Estocolmo em dois dias:

Kungsholms Kyrka, Stockholm City Hall, Stortorget, Museu Nobel, Gamla Stan (Cidade Velha), Palácio de Estocolmo (kungliga), Parlamento da Suécia, Museu Medieval, Arvsfustens palats. e, claro, andar muito e observar os prédios, as estátuas espalhadas pelas ruas, os pequenos monumentos e o cais. 

Gostou? Então que tal comentar, compartilhar e divulgar?!





sábado, março 25, 2017

Árvore genealógica - Ílhavo, Aveiro - lugar ancestral parte 2

Menina da Ria - Homenagem de Caetano a Aveiro

O sol brilhava levemente no céu de um azul claríssimo naquela manhã de dezembro de 2016 quando a voz ao auto-falante me despertou do pseudo-sono no qual eu caíra desde que havia saído de Coimbra. O comboio suburbano parou na estação de Aveiro.

Levantei, vesti meu casaco, esperei as portas se abrirem e desci as escadas rolantes, um tanto sonolento, ainda passeando entre as terras da crença e da descrença. Não queria gerar muitas expectativas, pois, se vocês que acompanham minhas descobertas lembram bem, eu tive uma forte decepção em Coimbra (http://marciowaltermachado.blogspot.com.br/2016/09/um-lugar-chamado-covelos-foz-de-arouce.html).

Trenzinho de turismo em frente à Estação d'Aveiro
No entanto, ali em Aveiro, aquele vento friozinho que soprava acariciando minhas faces, brincando com meus cabelos, ia de leve em leve dissipando minhas apreensões, talvez como um prelúdio do que me aguardava - talvez.

Cheguei ao saguão da estação. Tinha marcado com o Ricardo à entrada. Olhei para um lado e outro. Respirei fundo. A estação estava quase vazia, apenas um ou outro estudante com a mochila nas costas caminhava em direção ao balcão de passagens. Olhei mais uma vez para o lado. A ansiedade, se agigantando, fazia o lugar parecer cada vez mais solitário. Respirei melancolicamente e já pensava em ir dar um passeio pela cidade quando vi vindo em minha direção um rapaz com um boné ao estilo português e os braços abertos, sorriso estampado no rosto e a pergunta: Márcio?!

Aquela fisionomia me era familiar, menos pelas fotos do Facebook do que pela semelhança com o retrato do nosso bisavô que eu tenho na parede do meu gabinete em Salvador da Bahia. Fixei o olhar naquele rosto cuja parecença com o velho Berardo Rocha as fotografias não deixavam tão evidentes quanto agora e acho que devo ter sorrido largamente, porque ele me deu um abraço forte, me olhou e me disse rindo: "Oh, pá! Tás a querer me enganar com essa barba toda! Quase te não reconheci".

Sr. e Sra Antônio Bizarro, Ricardo, eu e Ana Maria
O Ricardo me fora apresentado pelo senhor Antônio Bizarro, o qual tinha cumprido a promessa que me fizera quando nos encontramos, quase ao acaso, na praça de Ílhavo em janeiro e, incansavelmente, procurado pelos remanescentes da família Rocha Carolla que ainda viviam por lá.

Certa noite, no final de agosto, ao ligar o computador, encontrei o e-mail do Ricardo se apresentando e me dizendo que se precisasse de alguma informação sobre a família, que por favor entrasse em contato com ele. Pode-se imaginar quão grandes foram a surpresa e a alegria que me envolveram totalmente.

Quase pulei da cadeira - acho mesmo que devo ter pulado com o coração batendo forte e as lágrimas a umedecerem os olhos. Afinal, após dois anos de busca, chegava diante de mim a confirmação de que pra além do Atlântico Sul alguém tinha nas veias a correr parte do sangue que me havia formado. Ali, nas bandas de Vagos, em Aveiro, residia a outra parte da minha família a qual até há um par de anos nós sequer havíamos suspeitado existir.

Agora ele estava ali, com o braço sobre meu ombro, a cara tão ou quase tão incrédula e ao mesmo tempo crédula e surpresa de estarmos nos vendo face a face e nos ouvindo na mesma língua e com sotaques tão diferentes - nós, que partilhávamos de uma mesma origem comum, de um mesmo ancestral que um dia singrou os mares e foi criar suas duas famílias na antiga Terra de Santa Cruz.

A grande surpresa

Tia Rosa (à esquerda) e minha avó Georgina
Há muitos anos, após ler um poema de Florbela Spanca chamado "Eu", tive vontade de escrever um conto que narrasse a história de duas pessoas destinadas a se encontrarem e que jamais conseguiram porque sempre, quando se aproximavam uma da outra, desviavam o olhar para o lado oposto. A história se basearia na parte final do soneto que diz: "Sou talvez a visão que Alguém sonhou/ Alguém que veio ao mundo para me ver/ E que nunca na vida me encontrou". Essa foi quase exatamente a sensação que tive quando o Ricardo estacionou o carro em frente à casa de seus pais.
Por um minuto eu pensei que se não houvera sido pela Providência pela qual eu encontrei o senhor Antônio Bizarro na rua, aquela história que eu nunca pus no papel teria sido escrita com minha própria vida.

A razão é simples: quando estive em Ílhavo em janeiro do ano passado fui comprar um arranjo de flores para depositar ao túmulo dos meus trisavós. A floricultura da dona Laide, a Lady Flores, fica na rua atrás do cemitério onde também, a apenas alguns metros, está a casa dos pais do Ricardo! Eu olhei pra ele e disse: "Eu estive andando por esta rua e passei em frente a esta casa duas ou três vezes!" e ele me respondeu: "Pois estiveste tão perto e tão longe, hein primo!".

Fiquei num espanto mudo pensando em como às vezes, realmente, na vida as respostas para nossas buscas estão bem perto de nós e elas passam sem que nós saibamos que bastava apenas olhar mais detidamente (e chamar).

O pai do Ricardo me tirou do torpor ao abrir a porta de casa e nos mandar entrar, porque a manhã, apesar de ensolarada, estava fria. Seria melhor que estivéssemos "aquecidos do lado de dentro". Ele talvez não imaginasse que o "lado de dentro" seria não apenas físico, mas especialmente relacionado à alma.

Ao adentrar aquela sala e ver a Luísa (a irmã do Ricardo) com o sorriso no rosto e o abraço pronto; e o rosto de sua mãe que nos esperava ansiosa sentadinha no sofá, meu coração pulou três vezes. Eu senti correr em mim aquela sensação de acolhimento e carinho, de o peito arfar e o choro subir do mais recôndito da gente e parar incerto entre o coração e os olhos.

Aquela senhora encantadora, a qual me recebeu com um abraço tão apertado, era extremamente parecida com minha avó Georgina - mãe do meu pai -, muito mais parecida que minhas próprias tias. Olhei para ela e disse: "Tia Rosa, a senhora é a cara da minha avó!". Se restava alguma dúvida dos papeis, o DNA, estampado no rosto, a dissipava toda. Se puséssemos minha avó e a tia Rosa juntas a caminhar, pensariam todos que fossem mãe e filha ou duas irmãs.

Uma família de braços abertos
Reunião da nossa linda família
Pensar que alguns meses antes meu ônibus vindo de Lisboa parava no centro de Aveiro e eu caminhava perdido por suas ruas em direção ao Fernando Guest House; lembrar que andava incerto pelos caminhos estreitos do Ílhavo à procura de uma centelha que me mostrasse a direção para encontrar a minha gente naquele lugar ancestral para mim, com o coração dizendo sempre "Senhor, onde estão eles?", era sentir na boca um doce sabor de vitória e dever cumprido.

Pensar em como a busca por informações sobre os finados no Arquivo Distrital de Aradas nos trouxe a luz da alegria dos vivos é querer dizer a todos: "Oh, pá! vai buscar teus parentes pelo mundo. E se algum deles te não quiser receber, virão outros com o coração cheio de alegria por saber que tu existes" - eu sei, tá bem portuga a estrutura da frase, mas lembrei do Ricardo na estação de trens =}

Mais doce ainda é o sabor de ser acolhido não apenas por uma parte da família, mas por boa parte dela a quem o Ricardo me apresentou. Como a Ana Maria em cuja casa fiquei hospedado e que não cansava de repetir: "O meu pai sempre dizia que tinha família na Bahia, só não sabia como encontrá-la. Se ele estivesse aqui, teria gostado muito de te conhecer. Estou a realizar o sonho dele!".

João e eu na praia da Vagueira
Estávamos! É bem dizer! Acredito que minha avó também se emocionaria muito com essa descoberta, tanto como os meus tios aqui ficaram emocionados com as fotos e o vídeo que fizemos.
Mas o dia corria, e saímos batendo em várias portas. A principio fomos rever o senhor Antônio
Bizarro para agradecer.

Depois fomos às casas dos primos que queriam saber a história de como eu chegara até eles. Contar e recontar as venturas e desventuras na casa da Margarida, ver os álbuns de fotografias com o Manuel, encontrar o tio Cândido, primo direto de minha avó, já com 90 e tantos anos, ouvir sobre essa família que estava "perdida" nas bandas de lá do oceano e tudo contado com sotaques diferentes, era caminhar no paraíso das buscas genealógicas de maneira tão entusiasmada que quando nos demos conta, já íamos madrugada adentro. Era como se quiséssemos preencher as lacunas que a vida nos deu em apenas algumas horas, algumas lindas horas.

No entanto, aquela não seria minha última ida a Aveiro. Tomaria o comboio de Coimbra para lá várias outras vezes, pois agora era difícil não querer voltar. Havia ali pessoas que de instantâneo uniram suas almas a minha como unido estava o sangue que cruza nosso corpo desde o coração. Afinal, é mesmo como eles me disseram repetidamente: "Lembra que tens aqui família".

A despedida
Uma das coisas que mais me afeiçoavam à série de TV "Brothers & Sisters" era ver que em boa parte dos episódios a família sempre terminava à mesa com todos rindo, comendo, uma música bonita tocando e as taças sendo elevadas ao ar. O que me fazia lembrar de um salmo bíblico que diz que muito bom e maravilhoso é ver os irmãos assentados em união. Essa sensação de estar à mesa com pessoas queridas faz bem ao estômago e à alma, que é acalentada pelas conversas e risadas e compartilhamento da existência.

Meus primos, que também parecem dividir esse mesmo entendimento comigo, sabendo que minhas férias terminavam e que a hora de voltar pra casa se aproximava feroz, resolveram me fazer mais um mimo antes de eu partir: preparar um prato típico.

No dia marcado, voltei a Aveiro para a despedida. O cheiro da comida perfumava a cozinha, assanhava o estômago, deixava clara a alegria com a qual éramos recebidos e a satisfação de estarmos todos ali.

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A Vitória, a linda esposa do Ricardo, havia preparado Arroz de Tamboril acompanhado das Natas do Céu (o primeiro é um prato à base de peixe e arroz, e o segundo uma sobremesa à base de ovos, natas e bolacha maria), os quais eu comi e repeti, e repeti, e repeti, sempre com a tia Rosa dizendo: "Ele está muito magrinho depois dessas viagens todas.

Mete mais ao prato", ao passo em que eu via meu prato sendo erguido vazio de frente a mim e voltando lindamente decorado e o João, o filho do Ricardo, dizendo: "Elas não vão te deixar em paz, tu vais sair daqui gordo hoje".

Bom, o João estava certo, eu saí daquele almoço - que se alongou até a janta - gordo, verdadeiramente inflado como a gente deve mesmo ficar quando é cercado de tanto carinho, afeição e daquele sentimento de ser tão querido ao ver, por exemplo, os olhos da tia Rosa se encherem de lágrimas enquanto ela dizia com a vozinha embargada pela emoção: "Dá-me pena vê-lo partir agora" quando fomos deixá-la em casa à noite.

Quase me desmontei de emoção. Segurei a custo o choro que queria jorrar de mim para não deixá-la mais emocionada do que já estava, abracei-a forte e disse: "Se Deus quiser, em dezembro nos vemos novamente". E vi o tio Artur ajudando-a carinhosamente para dentro de casa.

Olhei o céu, as estrelas brilhando tanto, fechei os olhos para sentir melhor o ar frio daquela noite inesquecível. Deixei subir aos lábios uma frase da oração judaica que aprendi na infância: Barur Atá Adonai Elorreno Meller Ra-Olam Ramerrim mitsadê gaver (Bendito sejas Tu, Senhor eterno, nosso Deus, Rei do Universo, que guias os passos dos homens)".

Respirei fundo, olhei para os tios mais uma vez, coração apertado por também eu "ter pena" de deixá-los, e atendi à voz do Ricardo que me dizia que era hora de ir para a estação de Aveiro, pois o trem partiria em 20 minutos. Aquele comboio que cortaria a estrada de volta a Coimbra de onde em algumas horas eu estaria de partida para Lisboa e de lá para São Salvador da Bahia, onde tudo começou, levando comigo todos aqueles abraços calorosos, e beijinhos carinhosos, e lágrimas de felicidade que havia ganhado ali.


Gostou? Que tal então compartilhar o post, deixar um comentário aqui e encorajar outros a fazerem suas pesquisas genealógicas?
 😉

P.S.: Os encontros não acabaram aqui. Aguardem o próximo post sobre Coimbra, a Lusa Atena.


domingo, março 19, 2017

Noruega - o país dos vikings, fjords, Edvard Munch e da aurora boreal


"Welcome to Oslo", disse pelo auto-falante a aeromoça do meu voo Ryanair de nove (9!!!) euros, "A temperatura exterior é -6ºC. São 7:15 horário local". Levantei, disse adeus à senhora italiana que veio conversando comigo a viagem inteira, puxei minha malinha e fui saindo pelo corredor da aeronave na direção onde o vento soprava as histórias de vikings e os contos dos trolls.

A Noruega sempre foi um lugar místico pra mim, cheio de lendas fantásticas e beleza estonteante. As histórias dos deuses escandinavos, os monstros e a sempre referida aurora boreal, inundavam minha imaginação desde menino. E agora eu estava ali naquele ar frio que parecia quebrar-me os ossos das mãos sem luvas, gelar minha cabeça sem o gorro, queimar minhas bochechas sem proteção. Mas eu estava maravilhado pela ideia de pôr os pés naquele país encantado e de paisagens deslumbrantes. 

Pão com Brunost em Starbucks Oslo
A viagem do aeroporto ao centro da cidade pelo metrô é de aproximadamente 20 minutos. tão rápida que a gente nem sente. Para falar a verdade, fora o frio, a única coisa que eu senti foi a fome.

Por isso, após deixar a mala no hotel, parti para conquistar as ruas da capital norueguesa em busca de alguma coisa que me aquecesse e forrasse minha barriga faminta. Procurei por algum lugar onde tivesse comida típica local, mas àquela hora o único que achei aberto no centro foram os restaurantes de fast-food.

Entrei no Starbucks e perguntei a funcionária se poderia comer alguma coisa da culinária local. Ela me disse que o que era com certeza típico seria o queijo marrom de cabra, chamado Brunost, que eu poderia comer com um pão de frutas.

Não deu outra. Lá fui eu experimentar o tal queijo que, detalhe, achei delicioso! misturava um sabor doce com salgado, exatamente do jeito que eu gosto, me lembrava um doce de leite cozido com queijo. O resultado foi correr ao mercado logo que saí do restaurante e comprar dois pacotes pra ir comendo durante o dia.

Oslo, não fugindo à tradição escandinava, é uma cidade muito cara, mas (embora deva existir) por não encontrar em minhas pesquisas nenhum hostel que unisse valor razoável e boa acomodação, preferi ficar num hotel bem legalzinho chamado Citybox Oslo, no coração da cidade.

Essa escolha por um hotel não me permitiu, por causa dos valores com acomodação e comida, ir a lugares famosos como Stavenger, Bergen, e Tromso. Decidi ficar mesmo pela capital e me dar uma segunda chance de visitar o restante do país numa próxima oportunidade que, quiçá, virá em breve.




Comecei meu tour por Oslo a partir da Opera Huset (Casa da Opera e Ballet) que ficava a poucos metros do meu hotel. O edifício, todo branco se confundindo com a neve que o cobria, parece se projetar do mar para o céu, e é famoso não só pela importância na vida cultural da cidade, mas também por sua arquitetura e localização.

Antes de chegar a ele, porém, preferi caminhar pelo pier do outro lado do mar de onde eu poderia ver o oceano congelado refletindo o céu e o prédio. Aquela imensidão de água salgada toda em estado sólido onde gaivotas patinavam tranquilas compunha a belíssima cena na qual o sol despontava no horizonte pintando o céu de tons violeta em um quadro fascinante.

Nascer do sol a partir do Opera Huset Oslo
Pode-se aceder ao topo do prédio por duas compridas ladeiras laterais e de lá se ter uma visão de 360 graus da cidade. O topo da Opera House é um daqueles lugares onde a gente sente o tempo caminhar lento porque absorve cada segundo que passa, registra na mente cada raio de sol lançado no espaço, cada pássaro que voa, cada som vindo das conversas ao redor, cada gargalhada daqueles que nos dias de inverno escorregam no gelo acumulado sobre o ladrilho do edifício. De lá eu vi o sol nascer em um dia e se pôr no dia seguinte - dois momentos distintos em dias diferentes, mas que não pareceram acabar.
Pôr do sol a partir do Opera Huset Oslo
Pois Oslo é assim, uma cidade que mistura a natureza e a arquitetura e, apesar de tantas gruas cortando o céu e tantos sítios de construção nos dias que por lá estive, não perdeu o encanto nem o charme. Ao contrário, caminhar pelas ruas antigas, contemplar o porto, conversar com as pessoas locais, deslizar na neve acumulada no chão, nos parques, é algo suis generis.

Centro Nobel da Paz
Não vi artistas de rua locais tocando música norueguesa (encontrei um romeno tocando música brasileira no Vigeslandparken), nem vi stands de bacalhau à beira-mar. Mas os cafés cheios de gente em busca de se aquecerem, as praças onde várias pessoas faziam fotos e selfies e conversavam tranquilas, me deram uma ideia de como era a vida na cidade.

Mesmo os soldados guardando o Palácio Real ao fim da Karl Johans gate têm um ar mais leve e pacífico do que seus colegas em outras partes do mundo. Será por que há ali perto o Centro Nobel da Paz? Talvez. Mesmo tendo em julho de 2011 essa sensação de tranquilidade abalada pelos atentados perpetrados por Anders Behring Breivik, os noruegueses parecem seguir sem receios.
Forte de Akershus
Essa sensação de paz e segurança nos cerca desde sempre, em cada canto da cidade. Ali mesmo diante do porto onde podemos ver o Centro Nobel da Paz, as Torres Gêmeas da Prefeitura (em ambos os prédios há exibições de arte) e o Forte de Akershus.  Ou percorrendo os caminhos quase silenciosos do Vigelandsparken com suas estátuas, espalhadas por todos os cantos, de corpos nus de homens, mulheres e crianças em vários momentos da vida, e na multidão que se entrelaça numa orgia insana pelo mastro totêmico ao centro do parque.
 


Oslo e a Noruega como um todo são fascinantes. Quer seja pela calma e beleza dos seus sítios, quer seja pela bela arquitetura nórdica de seus prédios ou pelo povo tranquilo e cortês que caminha por suas ruas e se sente orgulhoso em prestar ajuda ao viajante perdido - sim, continuo a me perder caminhando por aí, especialmente quando o Google maps offline não funciona (geralmente ele falha). Quis ficar mais tempo na cidade, mas os valores e a velocidade como as horas nos fogem me fizeram marcar viagem para o próximo destino sobre o qual falarei em breve.
Siga as fotos dos próximos destinos em https://www.instagram.com/marcio_travelmore/

Gostou? Então que tal compartilhar e comentar? Valeu! 😉


O que ver/fazer em Oslo:

Opera Huset (Ópera e Ballet House)
Akershus church and fort
Palácio Real de Oslo
Catedral de Oslo 
Ponte Ekebergasen (onde Munch fez seu quadro O grito) e ver o pôr-do-sol
Gamle Oslo (bairro antigo)
Igreja Frogner
Vigeland parken
Akerselva scenic walk, 
Museu histórico
Museu do Barco Viking
Galeria de Arte de Oslo
Museu EdvardMunch
Sankt Hanshaugen
Museu do esqui e rampa







  

domingo, março 12, 2017

Lituânia - o país das jóias de âmbar - parte final

Nosso roteiro pela Lituânia

Afastei as cortinas que escureciam o quarto e escondiam a vista da varanda: o sol nascia no céu claro, refletindo na neve que cobria as árvores, o chão, os bancos. Me encostei no vidro da porta e fiquei olhando a natureza tão diversa da minha São Salvador da Bahia onde apenas o sol, despontado por trás das árvores, era uma imagem familiar. 
Havíamos combinado de sair cedo - tínhamos ainda muito o que ver. Depois de uma ducha rápida e um café com omeletes, partimos pela imensidão de neve e gelo e pinheiros que nos cercavam. Naquele momento todo o mundo era uma imensidão branca e fria e deserta de gente. Só o nosso carro cortava a estrada regelada como as naus outrora deveriam cortar o mar azul. O termômetro do carro dizia que a temperatura exterior era -19ºC. Mas ali dentro as conversas, as risadas e o aquecedor deixavam tudo na temperatura ideal. 

Uns vinte minutos depois de termos deixado o hotel e caído no mundo, resolvi pegar o celular e fazer um vídeo para o Instagram. Mão indo ao bolso e eu, de repente, sentindo minha espinha gelar e minhas bochechas arderem. Meu Deus! o que é que eu tinha feito? Olhei pro Mindaugas com aquela cara de "pxiiii", ele me olhou preocupado querendo saber porque eu estava vermelho. Eu, a vergonha em pessoa, disse: "Acabei de descobrir que esqueci de entregar a chave do quarto". Acho que devo ter dado aquele sorriso amarelo de emoji do Whatsapp. Meu amigo me olhou com um "Oh, Márcio, eu não acredito nisso!". Pensei em várias soluções para o vacilo, mas ele resolveu voltar, meia hora na estrada, indo a caminho daquele hotel bonito e quente cujas chaves do quarto eu trazia de volta em minhas mãos trêmulas de embaraço.  Fiquei em silêncio enquanto o pessoal tentava me acalmar dizendo que não era muito problema, "quem sabe o universo nos livrou de alguma coisa ruim que nos aconteceria?!", e outras frases que de alguma sorte pudessem desenrubescer minhas bochechas. 
Saí do carro com a neve caindo ainda mais pesada sobre meus ombros, como se todo o gelo do mundo estivesse sobre meu corpo acabrunhado. Olhei pra recepcionista e me desculpei mil vezes por ter levado a chave comigo. Perguntei a ela como dizer "me perdoe mesmo" em lituano. Voltei pro carro. Abri a porta e antes de sentar disse: /ash labai atsipraxôu/ e dei outro sorriso emoji. Todos me olharam surpresos com meu curso intensivo de lituano desculpante e meu sotaque perfeito (a vergonha faz cada coisa, hein!). Pegamos a reta mais uma vez. Algum tempo depois vimos ambulâncias e um carro da polícia passando por nós. Havia acontecido um acidente na estrada - dois carros tinham colidido violentamente de frente numa parte do caminho uns poucos minutos adiante do ponto de onde havíamos feito o retorno para o hotel. Mindaugas me olhou e disse: "O universo...".  Continuamos na rota para Riga, a capital da vizinha e tão igualmente fria Letônia (sobre a qual falarei em outro post).  

Krizius Kalnas - A Colina das Cruzes
No meio da estrada, num caminho onde a vista se perde na imensidão do horizonte, paramos o carro. Tudo o que eu via era uma paisagem na qual a neve e a solidão quase reinariam soberbas não fosse pelo punhado de turistas que caminhavam agasalhados sobre a neve, carregando pequenas cruzes e rosários comprados na loja de frente ao estacionamento.
Começamos a caminhar na direção dos peregrinos até nos depararmos com uma pequena colina onde se via ao longe milhares de crucifixos soerguidos sobre a neve branca como uma lembrança do próprio Cristo sobre o Gólgota. Não se sabe ao certo quando começou o costume de se fincar ali as cruzes. Alguns dizem que foi a partir do Levante de 1831 como forma de homenagear os revolucionários mortos pelo exército russo, outros dizem que foi como forma de protesto e resistência contra a ocupação da URSS materialista um século mais tarde. Sendo como for, hoje o lugar permanece encravado ao norte da cidade de Siauliai e é um centro de peregrinação católica tendo sido, inclusive, abençoado pelo papa João Paulo II em visita ao local no ano de 1993 - por isso vemos várias homenagens a ele (encontrei até uma em Português). 
Achei o lugar muito interessante do ponto de vista cultural. No entanto, confesso que caminhar por aquele mar de cruzes, rosários, crucifixos e agradecimentos em línguas diversas no meio da neve alta e pesada me fez ter a sensação um tanto arrepiante de estar numa peregrinação na Idade Média ou em algum lugar da série Game of Thrones, com as pessoas caminhando em respeitoso silêncio por entre os caminhos estreitos e a neve derrapante. Isso não querendo dizer, porém, que eu não gostei de estar ali, gostei muito. A sensação é de realmente ter sido transportando para o tempo onde a fé e a esperança são imortais, resistindo incólumes contra as forças da natureza castigadora e gelada e dos tanques soviéticos, estes os quais por várias vezes destruíram o lugar que novamente foi reerguido pela população de coração inquebrantável daquele país, derrubada após derrubada. A colina das cruzes é um lugar sagrado para os lituanos, muitos dos quais acreditam que uma vez tendo feito a nossa visita tudo em nós se modificará. 

Anykiscius Regioninis Parka - Parque Regional de Anykisius
O dia estava indo cada vez mais frio. O Mindaugas de vez em quando chamava minha atenção para o termômetro do carro. Quando a temperatura exterior alcançou os -22ºC. ele me perguntou a que temperatura estava Salvador-Bahia quando eu saí do Brasil. Depois de saber que naquela noite nós tivemos 32ºC. às 23h ele me olhou com uma cara pensativa e disse: "O corpo humano é mesmo capaz de coisas incríveis! Você deixa o Brasil a +32ºC., enfrenta -22ºC. na Lituânia e continua aí firme e forte". Eu quase ouvi ressoarem em meus ouvidos as notas de "We are the champions" do Queen. Especialmente por entender profundamente aquilo que ele estava dizendo ao observar pelos vidros do carro que a neve se adensava. 
Quando chegamos ao Parque Regional de Anykisius, a temperatura matinha-se nos -22ºC., mas não nevava. Saímos do carro, mãos no bolso, correndo para o centro de atendimento ao turista onde estaria um pouco mais quente. A Ieva sempre me recomendando pôr o gorro e as luvas porque o frio intenso poderia me deixar doente, enquanto eu teimava em querer sentir o frio fazendo minhas orelhas arderem. Compramos o ingresso e partimos como dardos pelo parque. Nossa rota era a  Pedra Puntukas (Puntuko akmuo) e a Trilha Sobre As Árvores.
Meu amigo me disse que aquela era a segunda maior pedra da Lituânia, um país quase plano e de poucas pequenas colinas. Todos os anos, especialmente no verão, as pessoas se dirigem àquele lugar por lazer ou estudo da história local e para ver aquela pedra que ali fora posta, segundo a lenda, por um demônio que tentava arremessá-la contra a igreja de Anykiscius (a segunda mais alta do país), mas o bicho-ruim se assustou com o canto de um galo e a derrubou ali, onde ela permanece até então. A pedra está próxima ao rio que corta o parque e provavelmente foi trazida pela correnteza há milhares de anos, durante o último período glacial, e se tornou um marco no país. Na década de 1940, um escultor local gravou nela o rosto de dois pilotos de avião lituanos, Stepona Darius e Stasys Girenas, pelo aniversário de dez anos de sua morte durante o voo transatlântico no Lituanica. Essa história me foi contada enquanto apressávamos os passos contra o vento frio que fazia os nossos ossos terem a sensação de que quase estavam sendo quebrados. Poses para a foto. Pé na tábua em direção à pequena colina que nos leva a um caminho de madeira e aço sobre a copa das árvores, no meio do parque. No final do caminho há uma torre que se projeta a 34 metros de altura e de onde se pode ter uma das vistas mais bonitas da Lituânia. Ali, naquela altura imensa, o vento castigava. E eu pensava em como a Ieva tinha razão ao me mandar trazer o gorro. Pausa para a foto com dedos quase congelados, pegamos a escada da torre e partimos correndo para o carro, para o calor do aquecedor do carro, para as risadas  da loucura de sair naquele frio pra o alto das árvores e de uma torre de 34 metros! Aventura inesquecível! 

Cosmos
Não poderíamos sair de Anykiscius sem visitar outra atração que é uma queridinha entre os locais, especialmente entre as crianças. O lugar fica em uma casa muito grande de uns dois ou três andares onde funciona uma loja de souvenirs e o Cosmos. 
Essa atração é bem interessante. Você entra numa sala pequena e escura onde de repente luzes se acendem. Porque a sala é cheia de espelhos as luzes se tornam milhares de pontos brilhantes e sua imagem se projeta no que parecem ser miríades de dimensões sobre as quais você está em posições diferentes - eu particularmente me senti na sala do Professor Xavier procurando X-men pelo mundo. A diversão dura cerca de 4 minutos, mas vale a pena ver, acredito que os adolescentes e as crianças se divertirão muito - a Agota e o Mr. King pareceram curtir demais o local. Além do show de luzes, há também uma música tocando o tempo todo simulando o que se ouviria no espaço caso o som se propagasse por lá. Parece que o que ouvimos são ruídos captados por sondas e decodificados em som. 


A hora de dizer "até breve"
Chegamos a Vilnius por volta das 15 horas com um dia extremamente bonito. Meus amigos queriam que eu experimentasse dois pratos típicos lituanos, por isso partimos direto para um restaurante bem aconchegante no centro da cidade. O lugar não podia ser mais bonito e a comida mais saborosa, especialmente porque regada a muita conversa e risadas - nada melhor do que comer em boa companhia!
No entanto, não nos demoramos muito ali porque meus anfitriões queriam que visse mais da cidade. Após a refeição partimos para a chamada TV Tower de Vilnius de onde se tem uma vista privilegiada da cidade a partir de um restaurante giratório no topo da torre. Quando chegamos, o sol estava quase a se pôr e o céu tomava uma cor avermelhada que se refletia sobre as casas, prédios, parques e na neve branquinha depositada sobre as ruas. Ali sentados, torta de chocolate e chá preto com leite, em meio a conversas e aos meninos nos mostrando as fotos que faziam do lugar, parecia difícil acreditar que dali a algumas horas estaria deixando aquela família adorável e seu país maravilhoso. 

Tive na Lituânia alguns dos melhores dias das minhas férias, não apenas pelos lugares maravilhosos que visitei e pelas novas sensações que experimentei, mas especialmente pelo carinho daquela família tão linda e tão calorosa que me recebeu de forma imensamente acolhedora e me proporcionou momentos muito além de tudo o que eu tinha imaginado. 

Antes de nos despedirmos, Mindaugas ainda quis que fizéssemos um tour da cidade e fôssemos ao mercado para comprar um doce tipicamente lituano. Aproveitei a oportunidade, e comprei flores para agradecer aos meus amigos por todo aquele carinho. Vi um bouquê lindo de flores amarelas exuberantes que me chamou bastante a atenção. Comprei-o. Tentei esconder as flores o máximo que pude sob meus casacos. Na hora da partida, entreguei a Ieva o bouquê e agradeci a todos por aqueles dias maravilhosos. Meus amigos agradeceram e me revelaram que na Lituânia flores amarelas são dadas às pessoas de quem não gostamos. Eu corei! Mais um vacilo no pais das jóias de âmbar! Flores amarelas! ai meu Pai do Céu! Todos riram do meu embaraço e me disseram pra relaxar, porque o que valia mesmo era a intenção. 

Talvez seja assim. Mas não só a intenção vale, como também valem as atitudes e todo o apreço, amizade e consideração que de fato demonstramos para com os outros, e aqueles meus amigos ali com certeza são pessoas que sabem profundamente o que isso significa, pessoas que têm a maior alegria em compartilhar todo o seu mundo e esperam apenas que "você tenha se sentido feliz". Fico só esperando o dia em que terei a alegria de recebê-los na Bahia e lhes mostrar as cores todas de que eles me falaram quando eu cheguei "na fria e cinza Lituânia". Nos abraçamos forte e aquela canção não parava de ressoar em minha mente: "Amigo é coisa pra se guardar do lado esquerdo do peito, dentro do coração, assim falava a canção que na América ouvi (...) qualquer dia, amigo, eu volto a te encontrar". 


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Outros posts sobre a Lituânia:
http://marciowaltermachado.blogspot.com.br/2017/02/lituania-o-pais-das-joias-de-ambar.html

quarta-feira, março 01, 2017

Lituânia - o país das jóias de âmbar - parte 2












À medida em que nos afastávamos do mar e adentrávamos o continente, a sensação que eu tinha era como a descrita pelo personagem Robert Walton no famoso livro de Mary Shelley: "Eu sinto uma fria brisa nortenha brincar sobre minhas bochechas, a qual abraça meus nervos e me enche de prazer. Esta brisa, que vem das regiões às quais estou avançando, me dá um sabor antecipado dos climas gélidos." E, como Walton, eu também sentia que aquele gelo todo, aquela neve que se empilhava pelo acostamento e sobre as casas, caindo sobre o para-brisa do carro, embranquecendo todo o caminho, ao contrário de ser "uma imagem desoladora", era a coisa mais linda do mundo, que "se apresentava à minha imaginação como a região da beleza e do deleite"! De dentro do carro, ver toda aquela neve branquinha cobrindo o mundo, trazia de volta à mente as imaginações da infância vivida numa cidade de clima tropical como é Salvador-Bahia, e o sonho de saber como era ter as estações bem definidas. Fiquei viajando na paisagem enquanto meu amigo me dizia que nos tempos da faculdade gostava de ir à região onde estávamos naquele momento para refletir e descansar às margens do Lago Plateliai. Mas antes de chegarmos a esse lugar idílico íamos conhecer uma parte não tão bonita assim da história da Lituânia. 

Saltojo Karo Muzieju - Museu da Guerra Fria

O Museu fica no Parque Nacional de Zemaitija (Zamatijos Nacionalinis Parkas), a cerca de uma hora de Klaipeda, onde estávamos. Foi construído numa área estratégica para a URSS na década de 1960, utilizando mão de obra de soldados da Letônia, em sua maioria. O Complexo tem 4 silos, um dos quais se pode visitar, e onde eram armazenados quatro mísseis tipo R-12U (ou SS-4), os quais ficavam a 27 metros de profundidade dentro do complexo subterrâneo. 


Os mísseis estavam apontados para regiões diferentes da Europa (desde a Noruega, no norte, até a Inglaterra, no oeste, Espanha e Turquia, no sul) e podiam fazer um estrago enorme no continente caso tivessem de ser ativados. A cada quatro anos os alvos eram modificados, para cobrir assim toda a Europa. 
Tão logo adentramos o complexo subterrâneo, nos deparamos com uma sala onde soldados-bonecos estão sentados exercendo as funções que ali se realizavam nos tempos da Guerra Fria e vemos os objetos que nos fazem ter uma ideia precisa de como era viver por meses naquele lugar sinistro. A impressionante estrutura de paredes grossíssimas, vigas e porta de ferro maciço parecem querer esconder dentro de si todos os segredos de uma época sombria da humanidade e sobre qual a maioria das pessoas que a viveram não tinham uma noção real. 

Lugar onde ficava o míssil

Percorrer aqueles labirintos e pensar nas centenas de soldados que viveram ali sob tensão permanente, com a terrível tarefa de destruir nações inteiras, ver as ogivas, as armas, as imagens em vídeo e sons que ali permeiam o ambiente, é entrar numa era de nossa história que parecia coisa apenas dos filmes de Hollywood e dos livros didáticos. 
O lugar me encheu de assombro pela destruição em massa que ele representava e para que tinha sido criado, e também de admiração por ver a que ponto a ciência, por mais destrutiva que seja, pode chegar. Mas o interesse não era só meu. Os filhos do meu amigo percorriam um lado e outro naquelas salas e corredores cobertos com propagandas comunistas e capitalistas, cheios de telas de TV onde se veem e se ouvem a história contada por seus atores. Os meninos paravam apenas para ouvir as explicações dos seus pais - que viveram a infância no período antes da cisão da URSS - sobre aquele lugar sinistro. O museu dispõe de visitas guiadas e de áudio-guia (mas quem precisa de outros quando se tem amigos conhecedores da história de seu país?!).
No final do passeio, há uma sala onde nós podemos apertar um botão e ver numa grande tela em nossa frente o que aconteceria se, até 1978 quando o complexo foi desativado, alguém tivesse tido a infeliz missão de mostrar o poderio bélico soviético a partir dali.
Apesar de ter valido muito a pena visitar o museu, a sensação de respirar o ar fresco e livre, de ver o sol se pôr por detrás dos pinheiros e caminhar pela neve levemente acinzentada pelo tempo e pensar que (provavelmente) aquele período tenebroso da humanidade tinha sido superado, era o pensamento mais cheio de paz que eu experimentara nas últimas duas horas.
Olhei ao redor, vi o teto dos silos que me lembravam pires ou discos-voadores e desejei que toda aquela terrível ideia de destruição tivesse ficado mesmo para trás apesar de Putin.
Para mais informações sobre museus da Lituânia, visite aqui: http://www.muziejai.lt/Index.en.asp

Lago Plateliai
By @savic_a
A noite já caia quando chegamos ao hotel à beira do lago Plateliai. Não estava mais nevando, mas a temperatura estava na casa dos -11ºC. Sentir aquele vento frio enquanto o horizonte se enegrecia aos poucos e a lua surgia bonita e pálida no céu foi uma sensação diferente, que entrava rascante e fria pelas narinas e saía aquecida parecendo transformar o corpo inteiro numa coisa ainda indefinível para mim. 
Deixamos as malas nos quartos daquele hotel de estilo clássico rústico, com móveis de madeira e almofadas acolchoadas e fomos caminhar até o lago. Passamos por uma floresta de pinheiros cobertos pela neve que se acumulara em seus galhos e pela aleia onde nossas pernas afundavam até a canela e nós apenas ouvíamos os sapatos fazendo kruch kruch contra o gelo do chão. Não havia insetos trilando ao redor, o silêncio era absoluto, quase mortal, a não ser por nossos passos e por nossas vozes cortando o ar. A Ieva me falando que o Mindaugas era louco porque gostava de caminhar nos lagos congelados, coisa que a apavorava (só fui entender exatamente o medo dela quando cheguei à Finlândia), enquanto eu e os meninos ríamos. 
Lago Plateliai ao cair da noite
Caminhamos até o fim de uma ponte, que balançava com nosso peso sobre a água ainda por congelar. Mindaugas pediu que eu olhasse bem onde estávamos, porque talvez àquela noite mesmo iríamos pular no lago depois da sauna! Sim, pular no lago depois da sauna!!!!! Eu não sei se o frio que cortou minha espinha vinha do vento persistente ou se foi o pânico que me dominou naquele momento - estava prestes a protagonizar mais uma versão do filme trash de mesmo nome (Pânico no Lago) - agora em 4D. 
Mas, ah!, quem está na chuva é para se molhar e uma vez na Lituânia, aja como os lituanos, já diz o ditado! Era esperar a sauna chegar. 

Aš norėčiau kavos, ačiū - Eu quero um café, obrigado
Kvas - imagem da internet
A ida ao lago pelo caminho gelado tinha dado a todos a mesma ideia: voltar correndo para o hotel e tomar qualquer coisa quente que fizesse com que sentíssemos nossos corpos vivos de novo. Sentamos à mesa e tudo o que eu pensava era na nova frase que Mr. King me ensinara um pouco antes: /ash norêtchiu kávôs, átchiu/. Estava doido por pôr as mãos ao redor de uma xícara quente de café fumegante e voltar a sentir meus dedos. Mas em vez disso, meus anfitriões pediram uma bebida típica para mim antes da janta. Fizeram o maior suspense até a chegada do copo comprido com um liquido marrom que me lembrava uma batida de jenipapo. 
Peguei o copo. O cheiro era bom. Provei a bebida sob os olhares atentos da minha família lituana.
Et voilà! sabor levemente alcoólico e doce, ao mesmo tempo semelhante e diferente de qualquer coisa que eu já havia provado. Se chamava kvas, uma bebida feita de água e pão fermentado! típica da Lituânia e de outros países próximos. Junto com o kvas, também vieram umas fritas, que não eram batatas, mas pão frito em tiras. Começava ali minha deliciosa visita à culinária lituana. Entre as delícias que experimentei, ressalto duas que são imperdíveis: a sopa fria de beterraba com seu sabor agridoce e o capelinai, feito de batata recheada de uma forma peculiar dessa região europeia.
Percebi junto àquela família que apesar de tão distantes em termos culturais e geográficos, não éramos assim tão diferentes. Vendo-nos à mesa com todos ali juntos a conversar e rir entre garfadas e goles, pensei em minha própria família na Bahia, onde fazíamos a mesma coisa quando estávamos juntos repartindo o pão - ou a batata. 

A sauna lituana
A sauna na cultura lituana é um lugar para confraternizar com a família e os amigos. No frio rigoroso que assola o país durante o inverno, a melhor pedida é mesmo reunir todo mundo num lugar quente onde se possa respirar o vapor escaldante vindo das pedras aquecidas enquanto se conversa, se brinca e se bebe e come alguma coisa. 
Nós alternamos entre conversas nas salas quentes e mergulhos na piscina aquecida. Meus amigos me recomendaram entrar de novo na sauna toda vez que eu começasse a perder calor na água - assim a saúde ficaria em dia - e me disseram que respeitasse os sinais corporais. Se o corpo começasse a suar muito, era hora de deixar a sauna; e quando começasse a sentir frio na piscina, era hora de voltar ao calor. 
Como vocês já sabem, o plano inicial era ficar na sauna (por uns trinta minutos) e de lá correr para o lago onde mergulharíamos e voltaríamos correndo para o calor. Mas o Mindaugas achou melhor deixar a corrida no gelo para uma outra ocasião, pois a temperatura, que já estava baixa, baixou bem mais àquela noite chegando aos -17ºC e o vento começou a soprar muito forte. Segundo ele, a ida até o lago seria possível, mas a volta seria complicada especialmente para mim que não estava acostumado ao clima. 
No entanto, eu tinha ficado muito curioso para saber como era a sensação de ter um choque térmico tão brutal. Afinal, em Salvador-Bahia eu jamais iria sair do calor para uma temperatura menor que 25 graus C na rua ou 18ºC no ar-condicionado, a não ser que começasse a trabalhar em frigorífico. 
A solução que encontramos para a a minha curiosidade foi sairmos para o estacionamento do hotel, onde a neve caia livre e o vento soprava alegre, e jogar uma bola de neve no peito. Começamos todos a rir com a ideia que parecia loucura aos olhos de Ieva e algo inusitado para a Agota e o Mr. King. 
Bom, lá fomos nós. O resultado vocês conferem aqui embaixo:
Aquele dia que começou com um encontro na rodoviária terminava com uma das coisas mais loucas que já fiz até aqui. Mas é como dizem: a vida só é vivida uma vez. Portanto, se jogue sem medo de ser feliz. 

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