quarta-feira, março 01, 2017

Lituânia - o país das jóias de âmbar - parte 2












À medida em que nos afastávamos do mar e adentrávamos o continente, a sensação que eu tinha era como a descrita pelo personagem Robert Walton no famoso livro de Mary Shelley: "Eu sinto uma fria brisa nortenha brincar sobre minhas bochechas, a qual abraça meus nervos e me enche de prazer. Esta brisa, que vem das regiões às quais estou avançando, me dá um sabor antecipado dos climas gélidos." E, como Walton, eu também sentia que aquele gelo todo, aquela neve que se empilhava pelo acostamento e sobre as casas, caindo sobre o para-brisa do carro, embranquecendo todo o caminho, ao contrário de ser "uma imagem desoladora", era a coisa mais linda do mundo, que "se apresentava à minha imaginação como a região da beleza e do deleite"! De dentro do carro, ver toda aquela neve branquinha cobrindo o mundo, trazia de volta à mente as imaginações da infância vivida numa cidade de clima tropical como é Salvador-Bahia, e o sonho de saber como era ter as estações bem definidas. Fiquei viajando na paisagem enquanto meu amigo me dizia que nos tempos da faculdade gostava de ir à região onde estávamos naquele momento para refletir e descansar às margens do Lago Plateliai. Mas antes de chegarmos a esse lugar idílico íamos conhecer uma parte não tão bonita assim da história da Lituânia. 

Saltojo Karo Muzieju - Museu da Guerra Fria

O Museu fica no Parque Nacional de Zemaitija (Zamatijos Nacionalinis Parkas), a cerca de uma hora de Klaipeda, onde estávamos. Foi construído numa área estratégica para a URSS na década de 1960, utilizando mão de obra de soldados da Letônia, em sua maioria. O Complexo tem 4 silos, um dos quais se pode visitar, e onde eram armazenados quatro mísseis tipo R-12U (ou SS-4), os quais ficavam a 27 metros de profundidade dentro do complexo subterrâneo. 


Os mísseis estavam apontados para regiões diferentes da Europa (desde a Noruega, no norte, até a Inglaterra, no oeste, Espanha e Turquia, no sul) e podiam fazer um estrago enorme no continente caso tivessem de ser ativados. A cada quatro anos os alvos eram modificados, para cobrir assim toda a Europa. 
Tão logo adentramos o complexo subterrâneo, nos deparamos com uma sala onde soldados-bonecos estão sentados exercendo as funções que ali se realizavam nos tempos da Guerra Fria e vemos os objetos que nos fazem ter uma ideia precisa de como era viver por meses naquele lugar sinistro. A impressionante estrutura de paredes grossíssimas, vigas e porta de ferro maciço parecem querer esconder dentro de si todos os segredos de uma época sombria da humanidade e sobre qual a maioria das pessoas que a viveram não tinham uma noção real. 

Lugar onde ficava o míssil

Percorrer aqueles labirintos e pensar nas centenas de soldados que viveram ali sob tensão permanente, com a terrível tarefa de destruir nações inteiras, ver as ogivas, as armas, as imagens em vídeo e sons que ali permeiam o ambiente, é entrar numa era de nossa história que parecia coisa apenas dos filmes de Hollywood e dos livros didáticos. 
O lugar me encheu de assombro pela destruição em massa que ele representava e para que tinha sido criado, e também de admiração por ver a que ponto a ciência, por mais destrutiva que seja, pode chegar. Mas o interesse não era só meu. Os filhos do meu amigo percorriam um lado e outro naquelas salas e corredores cobertos com propagandas comunistas e capitalistas, cheios de telas de TV onde se veem e se ouvem a história contada por seus atores. Os meninos paravam apenas para ouvir as explicações dos seus pais - que viveram a infância no período antes da cisão da URSS - sobre aquele lugar sinistro. O museu dispõe de visitas guiadas e de áudio-guia (mas quem precisa de outros quando se tem amigos conhecedores da história de seu país?!).
No final do passeio, há uma sala onde nós podemos apertar um botão e ver numa grande tela em nossa frente o que aconteceria se, até 1978 quando o complexo foi desativado, alguém tivesse tido a infeliz missão de mostrar o poderio bélico soviético a partir dali.
Apesar de ter valido muito a pena visitar o museu, a sensação de respirar o ar fresco e livre, de ver o sol se pôr por detrás dos pinheiros e caminhar pela neve levemente acinzentada pelo tempo e pensar que (provavelmente) aquele período tenebroso da humanidade tinha sido superado, era o pensamento mais cheio de paz que eu experimentara nas últimas duas horas.
Olhei ao redor, vi o teto dos silos que me lembravam pires ou discos-voadores e desejei que toda aquela terrível ideia de destruição tivesse ficado mesmo para trás apesar de Putin.
Para mais informações sobre museus da Lituânia, visite aqui: http://www.muziejai.lt/Index.en.asp

Lago Plateliai
By @savic_a
A noite já caia quando chegamos ao hotel à beira do lago Plateliai. Não estava mais nevando, mas a temperatura estava na casa dos -11ºC. Sentir aquele vento frio enquanto o horizonte se enegrecia aos poucos e a lua surgia bonita e pálida no céu foi uma sensação diferente, que entrava rascante e fria pelas narinas e saía aquecida parecendo transformar o corpo inteiro numa coisa ainda indefinível para mim. 
Deixamos as malas nos quartos daquele hotel de estilo clássico rústico, com móveis de madeira e almofadas acolchoadas e fomos caminhar até o lago. Passamos por uma floresta de pinheiros cobertos pela neve que se acumulara em seus galhos e pela aleia onde nossas pernas afundavam até a canela e nós apenas ouvíamos os sapatos fazendo kruch kruch contra o gelo do chão. Não havia insetos trilando ao redor, o silêncio era absoluto, quase mortal, a não ser por nossos passos e por nossas vozes cortando o ar. A Ieva me falando que o Mindaugas era louco porque gostava de caminhar nos lagos congelados, coisa que a apavorava (só fui entender exatamente o medo dela quando cheguei à Finlândia), enquanto eu e os meninos ríamos. 
Lago Plateliai ao cair da noite
Caminhamos até o fim de uma ponte, que balançava com nosso peso sobre a água ainda por congelar. Mindaugas pediu que eu olhasse bem onde estávamos, porque talvez àquela noite mesmo iríamos pular no lago depois da sauna! Sim, pular no lago depois da sauna!!!!! Eu não sei se o frio que cortou minha espinha vinha do vento persistente ou se foi o pânico que me dominou naquele momento - estava prestes a protagonizar mais uma versão do filme trash de mesmo nome (Pânico no Lago) - agora em 4D. 
Mas, ah!, quem está na chuva é para se molhar e uma vez na Lituânia, aja como os lituanos, já diz o ditado! Era esperar a sauna chegar. 

Aš norėčiau kavos, ačiū - Eu quero um café, obrigado
Kvas - imagem da internet
A ida ao lago pelo caminho gelado tinha dado a todos a mesma ideia: voltar correndo para o hotel e tomar qualquer coisa quente que fizesse com que sentíssemos nossos corpos vivos de novo. Sentamos à mesa e tudo o que eu pensava era na nova frase que Mr. King me ensinara um pouco antes: /ash norêtchiu kávôs, átchiu/. Estava doido por pôr as mãos ao redor de uma xícara quente de café fumegante e voltar a sentir meus dedos. Mas em vez disso, meus anfitriões pediram uma bebida típica para mim antes da janta. Fizeram o maior suspense até a chegada do copo comprido com um liquido marrom que me lembrava uma batida de jenipapo. 
Peguei o copo. O cheiro era bom. Provei a bebida sob os olhares atentos da minha família lituana.
Et voilà! sabor levemente alcoólico e doce, ao mesmo tempo semelhante e diferente de qualquer coisa que eu já havia provado. Se chamava kvas, uma bebida feita de água e pão fermentado! típica da Lituânia e de outros países próximos. Junto com o kvas, também vieram umas fritas, que não eram batatas, mas pão frito em tiras. Começava ali minha deliciosa visita à culinária lituana. Entre as delícias que experimentei, ressalto duas que são imperdíveis: a sopa fria de beterraba com seu sabor agridoce e o capelinai, feito de batata recheada de uma forma peculiar dessa região europeia.
Percebi junto àquela família que apesar de tão distantes em termos culturais e geográficos, não éramos assim tão diferentes. Vendo-nos à mesa com todos ali juntos a conversar e rir entre garfadas e goles, pensei em minha própria família na Bahia, onde fazíamos a mesma coisa quando estávamos juntos repartindo o pão - ou a batata. 

A sauna lituana
A sauna na cultura lituana é um lugar para confraternizar com a família e os amigos. No frio rigoroso que assola o país durante o inverno, a melhor pedida é mesmo reunir todo mundo num lugar quente onde se possa respirar o vapor escaldante vindo das pedras aquecidas enquanto se conversa, se brinca e se bebe e come alguma coisa. 
Nós alternamos entre conversas nas salas quentes e mergulhos na piscina aquecida. Meus amigos me recomendaram entrar de novo na sauna toda vez que eu começasse a perder calor na água - assim a saúde ficaria em dia - e me disseram que respeitasse os sinais corporais. Se o corpo começasse a suar muito, era hora de deixar a sauna; e quando começasse a sentir frio na piscina, era hora de voltar ao calor. 
Como vocês já sabem, o plano inicial era ficar na sauna (por uns trinta minutos) e de lá correr para o lago onde mergulharíamos e voltaríamos correndo para o calor. Mas o Mindaugas achou melhor deixar a corrida no gelo para uma outra ocasião, pois a temperatura, que já estava baixa, baixou bem mais àquela noite chegando aos -17ºC e o vento começou a soprar muito forte. Segundo ele, a ida até o lago seria possível, mas a volta seria complicada especialmente para mim que não estava acostumado ao clima. 
No entanto, eu tinha ficado muito curioso para saber como era a sensação de ter um choque térmico tão brutal. Afinal, em Salvador-Bahia eu jamais iria sair do calor para uma temperatura menor que 25 graus C na rua ou 18ºC no ar-condicionado, a não ser que começasse a trabalhar em frigorífico. 
A solução que encontramos para a a minha curiosidade foi sairmos para o estacionamento do hotel, onde a neve caia livre e o vento soprava alegre, e jogar uma bola de neve no peito. Começamos todos a rir com a ideia que parecia loucura aos olhos de Ieva e algo inusitado para a Agota e o Mr. King. 
Bom, lá fomos nós. O resultado vocês conferem aqui embaixo:
Aquele dia que começou com um encontro na rodoviária terminava com uma das coisas mais loucas que já fiz até aqui. Mas é como dizem: a vida só é vivida uma vez. Portanto, se jogue sem medo de ser feliz. 

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4 comentários:

Bruna Severo disse...

Muito bom!!!
Estava mesmo esperando comentários sobre a guerra fria.
Não sabia que era tão corajoso, Teacher hahaha Frio retadooo.

Muito bom!
Keep going.

Márcio Walter Machado disse...

Obrigado, Bruna!
A Guerra Fria deixou um sulco o coração dos países bálticos e do leste europeu. As pessoas falam dos soviéticos com certa ou muita mágoa. No entanto, muitos deles dizem que o Regime não era lá tão mal assim.

Unknown disse...

Acredita que senti frio daqui? Só de ler sua experiência (rsrs).
E a sopa de beterraba, é saborosa mesmo?
Estou ansiosa pelo próximo capítulo.
Parabéns pelo texto!
Beijo

Márcio Walter Machado disse...

Valeu, Luciana!

A sopa é muito saborosa!!! e o Capelinai tabém! amei tudo que comemos lá.

A próxima (e final) já já chega =)

Obrigado! :X

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