Eu li num texto de David
Whitehouse para a revista ShortList
que “o lugar aonde você vai de férias diz muito sobre quem você é”. Fiquei
pensando em quem eu seria quando meu ônibus (https://ecolines.net/international/en
16 euros) chegou à estação rodoviária de Vilnius por volta das 7 h. numa manhã
fria e coberta de gelo - um aventureiro (para alguns amigos, sim), um desbravador
(não em Vilnius), um louco (para os meus amigos lituanos, sim), um curioso
viajante (talvez), ou talvez nada disso/tudo isso junto. No entanto, a razão
principal pela qual eu tinha ido àquele país, que de outra forma teria ficado
apenas nas minhas aulas de geografia e história pós-Perestróica, foi o
Mindaugas e a sua família, os quais eu encontraria pela primeira vez após muitos
anos.
Os momentos que antecederam o
encontro, desde minha saída da estação Warsawa Zachodnia, na capital da Polônia,
até ali foram de muita expectativa e ansiedade. Já dentro do ônibus, vendo a
estrada coberta de neve, a silhueta de pinheiros escurecidos pela noite,
algumas casinhas espalhadas aqui e ali com suas luzes vacilantes, fiquei
pensando no que dizer: “Olá, pessoal, eu sou o Márcio”, “Olá, pessoal!”, “Olá!”,
“Márcio”, “... (sorriso amarelo)...”. Cheguei à conclusão de que deveria deixar
as palavras surgirem naturalmente. Fitei meus olhos no escuro do mundo e
adormeci.
Percorremos 9 horas de asfalto
liso e neve durante a noite, o cenário invernal e escuro, quieto e “com tudo
morto” como diria meu amigo, me havia feito dormir como pedra num ônibus cuja
única voz a ser ouvida era a da comissária de bordo quando paramos em alguma
das 3 ou 4 estações pelo caminho até a Autobusu Stotis, em Vilnius.
Desci do veículo ainda sonolento,
o sol ainda não havia despontado e a neve caía fina em meu sobretudo, caminhei em
direção ao bagageiro de onde o motorista arrancava as malas e despachava os
viajantes um a um, da forma mais ordeira que já vira. Peguei a minha, respirei
fundo aquele ar gelado que entrava em meu nariz, inundava meus pulmões enquanto
eu puxava minha bagagem neve acima em direção à saída da estação. Nesse meio
tempo, vi vindo em minha direção aquele rapaz alto, olhos claros, usando um
gorro cinza e confirmando a suspeita com a pergunta: “Márcio?!”. Sorri e fui na
direção dele. Afinal, não tinha sido minha a primeira palavra.
O Mindaugas e eu havíamos nos
conhecido há alguns anos pela internet e desde então eu fazia planos de ir
visitar a ele e sua família em Vilnius. Este ano, tudo deu certo e naquela
manhã lá estávamos nós, no frio lituano a apertar nossas mãos e finalmente
ver-nos em pessoa. Por todas as vezes que conversamos ao longo dos anos, a
minha impressão sempre foi de que ele era um cara centrado, muito gentil, que
sempre tem as palavras exatas e cujos conselhos são daqueles que, quando
ouvimos, vamos no caminho certo. Impressões que foram confirmadas nos poucos,
mas duradouros, dias de convivência que tivemos cruzando o país num frio que
variava de entre -8 a -19 graus C.
Centro Antigo de Kaunas |
Percorrendo a Lituânia
Não havia feito planos para
explorar a cidade de Vilnius. O único que tinha era conhecer o meu amigo ao
vivo e a cores, tomar um café com ele e sua família em algum restaurante
quentinho e, se calhasse, ver algum monumento o qual eu pudesse fotografar para
o meu blog, afinal, era plena segunda-feira no mês de janeiro e quem estava de
férias era eu, não queria tomar muito o tempo deles. Mas, para minha surpresa,
o que eles tinham em mente era algo bem diferente!
Assim que entramos no carro para
fugir do frio intenso que fazia, me contou que iríamos ficar apenas algumas
horas em Vilnius e que de lá partiríamos para lugares que eles haviam pensado
que eu pudesse gostar e nos quais pudesse buscar inspiração para meus novos
livros.
Aliás, eles estavam muito surpresos e preocupados com a minha ida à “fria e cinza” Lituânia de inverno, uma vez que eu vinha de um “país exuberante e cheio de cores e luz e calor do sol”.
E, apesar de eu dizer que não se preocupassem com isso, porque ali tudo era lindo e novo e surpreendente para mim, eles não conseguiam acreditar que eu fosse gostar de estar naquele lugar congelante.
Aliás, eles estavam muito surpresos e preocupados com a minha ida à “fria e cinza” Lituânia de inverno, uma vez que eu vinha de um “país exuberante e cheio de cores e luz e calor do sol”.
E, apesar de eu dizer que não se preocupassem com isso, porque ali tudo era lindo e novo e surpreendente para mim, eles não conseguiam acreditar que eu fosse gostar de estar naquele lugar congelante.
Após rodarmos um pouco pelo Centro
Histórico da cidade, Mindaugas me olhou, perguntou se eu estava preparado,
ligou o carro e partimos a caminho de Kaunas, a 105 km de lá aonde chegamos com
o sol ainda tímido e frio no horizonte.
Kaunas me pareceu um lugar bonito e bem tranquilo. Dividido em duas margens pelo Rio Neman, tendo o Centro
Histórico com uma arquitetura renascentista e barroca de admirar, destacando-se
aí o edifício da prefeitura (iniciado no século 16), nos convidando à
contemplação e à caminhada. No entanto, no frio que fazia, preferimos nos ater
à contemplação rápida, indo a uma das colinas de onde podíamos ver quase toda a
cidade. Àquela altura, a antiga capital temporária da Lituânia e sua segunda
maior cidade atualmente parecia um quadro desses que a gente vê à parede da
sala de estar de nossas avós.
Museu do Âmbar de Palanga - Klaipeda
Parque à entrada do Museu do Âmbar |
Após mais algum tempinho por
Kaunas à procura de um lugar para comer, partimos rumo ao oeste onde eu pude
constatar que as estradas da Lituânia são extremamente bem conservadas e
sinalizadas, fazendo imenso gosto percorrê-las – íamos na direção do Mar
Báltico, para o balneário de Palanga.
O balneário fica situado na antiga Rota do Âmbar, a qual existe desde tempos pré-históricos e que por milhares de anos foi o centro de escoamento e comércio do chamado “Ouro do Norte”.
O balneário fica situado na antiga Rota do Âmbar, a qual existe desde tempos pré-históricos e que por milhares de anos foi o centro de escoamento e comércio do chamado “Ouro do Norte”.
Nossa primeira parada foi o Museu
de Âmbar, lugar onde se encontra um riquíssimo acervo que vai desde material
pré-histórico com fósseis envolvidos na resina dourada a artefatos
encontrados em escavações e que eram usados pelas populações locais através dos
milhares de anos até joias originais e exclusivas feitas por artesãos regionais.
O museu se encontra num palácio
construído em 1897 o qual era a residência oficial do conde Feliksas
Tiskevicius, e é rodeado por um imenso e lindo parque que no inverno está todo
coberto de neve, embora os patinhos continuem a nadar nas lagoas espalhadas pela
área.
Percorremos todo o museu, visitando todas as exposições – o museu também é palco para shows em determinadas épocas do ano. Fiquei impressionado com a riqueza do acervo e com o cuidado na produção de cada peça de joia e de arte feitas com aquele material. Para mim, que pensava que o âmbar era apenas uma resina que envolvia o mosquito pré-histórico do filme Jurassic Park, ver todas aquelas pequenas obras de arte e joias feitas a partir desse material foi fascinante.
Surpreendente também foi ver os filhos adolescentes do meu amigo extremamente interessados em conhecer a história do lugar e os objetos que víamos. Fiquei muito impressionado com os dois. Além de serem extremamente gentis e terem uma comunicação bem articulada, inclusive em língua estrangeira (inglês era a nossa língua comum), se mostraram muito atentos e desejosos de aprendizado, fazendo valer o ditado que diz que “quem sai aos seus não degenera” – vi ali o reflexo do Mindaugas e da Ieva na educação de seus filhos.
Percorremos todo o museu, visitando todas as exposições – o museu também é palco para shows em determinadas épocas do ano. Fiquei impressionado com a riqueza do acervo e com o cuidado na produção de cada peça de joia e de arte feitas com aquele material. Para mim, que pensava que o âmbar era apenas uma resina que envolvia o mosquito pré-histórico do filme Jurassic Park, ver todas aquelas pequenas obras de arte e joias feitas a partir desse material foi fascinante.
Surpreendente também foi ver os filhos adolescentes do meu amigo extremamente interessados em conhecer a história do lugar e os objetos que víamos. Fiquei muito impressionado com os dois. Além de serem extremamente gentis e terem uma comunicação bem articulada, inclusive em língua estrangeira (inglês era a nossa língua comum), se mostraram muito atentos e desejosos de aprendizado, fazendo valer o ditado que diz que “quem sai aos seus não degenera” – vi ali o reflexo do Mindaugas e da Ieva na educação de seus filhos.
Fósseis em âmbar - fonte: internet |
Colares de âmbar - fonte: internet |
Ao sairmos do museu, a Ieva me perguntou se
conseguia ouvir o som. Paramos. Comecei a escutar algo como se fosse um vento,
um gerador, um ar-condicionado muito forte. Não identifiquei a origem nem o que
seria. Ela logo me explicou que o som era de ondas, pois estávamos muito
próximos ao mar. Para mim, aquela revelação foi nocauteante, pois diante de nós
o chão estava coberto de gelo e neve – eu ouvia o prunk prunk da neve debaixo
das nossas botas – e o mar estaria logo ali, após uma pequena colina com areia
bege e ondas quebrando contra a praia! Quase fui correndo para ver aquilo com
meus próprios olhos.
Klaipeda |
Em um só lugar eu conseguia ver
gelo e neve, mar e areia fina soprada pelo vento. Ver aquela praia, sentir o
cheiro do mar, o vento gelado do Báltico soprando em meu rosto enquanto
caminhávamos em direção ao píer e o sol lentamente baixava no horizonte, ali
com aquela família maravilhosa que tinha planejado junta para mim uma viagem
que eu mesmo nem pensara em ter, ouvir suas histórias, e assim conhecê-los
melhor e deixá-los conhecer a mim também, me trouxe uma sensação de gratidão,
um sentimento de alegria e paz como em poucas vezes nos ocorre. Paramos à beira
do píer. Olhei para os meus amigos e disse a palavra que o “Mr. King” (como passei a chamar o filho do
Mindaugas) havia me ensinado recentemente: /Átchiu/ significando “obrigado”, e os ouvi dizer: "se você está feliz, então estamos felizes".
Deixamos o píer e fomos andando
em direção ao carro. No caminho, todos famintos, paramos para comprar um salmão
defumado delicioso que era vendido bem ali, naquela praia, que é famosa nos meses de
verão, enquanto eu aprendia palavras novas daquele idioma sonoro e meus amigos
me perguntavam se estava pronto para nossa próxima experiência lituana.