Em 1982 Steven Spielberg trouxe às grandes telas o filme que seria um dos maiores clássicos do terror: Poltergeist – O fenômeno. Com esse título, Spielberg já dava aos amantes do cinema a dica sobre a trama da história. Afinal, se não todos nós, a maioria dos cinéfilos viventes já ouvira o ressoar tilintante de correntes e barulhos estranhos que o nome Poltergeist traz à nossa memória coletiva, a partir de filmes como, e.g., Terror em Amitville.
O que Spielberg não nos deixou adivinhar, no entanto, foi a maneira como a história se desenrolaria – isso só se descobriria à medida que fossemos acompanhando a vida da família Freeling durante o desenvolver da trama, especialmente a partir dos olhos e ouvidos da pequena Carol Anne Freeling, interpretada pela atriz Heather O’Rourke – que ainda atuaria em Poltergeist 2 e Poltergeist 3, deixando o terceiro filme incompleto por causa de seu falecimento súbito.
Na história, os primeiros contatos da família Freeling com os Poltergeists se dão através do aparelho de TV no momento em que a estática – aquele chiado sem imagem - substitui as transmissões de programas durante a madrugada, momento em que as emissoras encerravam sua comunicação. A pequena Carol Anne Freeling se torna a partir de então um ponto de contato entre os dois mundos – o mundo dos vivos e aquele dos espíritos que vagam perdidos– ponto-chave do terror esperado pelo espectador que busca apenas o entretenimento da sétima arte.
Porém, apesar de o filme Poltergeist ser uma produção para entretenimento, não se deve observá-lo de um ponto de vista inocente – uma vez que Hollywood de maneira alguma é imparcial ou apolítica. Devemos lembrar, portanto, que no ano de produção de Poltergeist o mundo vivia os sobressaltos da Guerra Fria entre os Estados Unidos e a ex-URSS, fato ao qual Spielberg não deixa de fazer menção no desenrolar da trama ao mostrar, por exemplo, imagens do presidente Ronald Reagan e cenas de guerra sendo exibidas na TV na hora do café da manhã. Entretanto, a despeito da leitura que se possa fazer no primeiro momento, o filme Poltergeist não é apenas uma história que fala do terror iminente de que forças inimigas – a URSS representada na figura dos Poltergeists – invadissem a casa dos estadunidenses no meio da noite e destruíssem tudo aquilo que lhes era caro e importante, destroçando suas conquistas e privando-os de sua liberdade – aliás, Freeling em inglês pode ser a junção de duas palavras dessa língua: free = livre e ling => linger = permanecer, persistir.
A idéia de que o inimigo invadisse sua vida de uma hora para outra no momento da estática – entenda-se aqui “momento de lazer, de relaxamento” - não parece se esgotar apenas na questão do conflito entre as duas superpotências oponentes, vai além disso. Metaforicamente, o aparelho de TV recebendo e reproduzindo apenas um chiado e imagens que ninguém entende, ou talvez, imagens distorcidas da realidade, pode ser comparado ao cérebro humano, à mente do telespectador que absorve e transmite todo aquele chiado e toda aquela distorção trazidos pelos programas de TV que bombardeiam nossas vidas todos os dias. Sob essa ótica, os Poltergeists deixariam de ser espíritos malévolos, energias fluídicas opositoras, demônios, eguns, encostos – ou como quer que queiramos defini-los – e passariam a se personificar na figura dos apresentadores com seus programas para a grande massa, tais quais Ratinho, Se Liga Bocão, Que Venha O Povo, etc.
Programas como esses, que aparentemente servem para entreter e/ou informar os cidadãos das coisas a que estes estão sujeitos - supostamente por conseqüência da falta de políticas públicas eficientes em sua cidade -, são, na verdade e na essência, Poltergeists, porque entram em sua vida sorrateiramente, possuem sua alma, destroem sua moral por calejar sua consciência e fazê-los, através da exploração insaciável e da banalização incansável das desgraças humanas, enxergar o mundo sob uma ótica apática – como a meninha Carol Anne muda e de olhos fitos sobre o monitor de TV -, imoral e despondente; sem lhes dar permissão de refletir, criticar e, por fim, exorcizar as mazelas a que foram/são expostos.
Por isso, talvez, seja preciso que nos coloquemos no papel da parapsicóloga Tangina ou do padre exorcista capazes de reverter e acabar com essa dessacralização, com esse estupro de nossas consciências e nossos lares, tomando, desse modo, a atitude do Sr. Freeling no final do filme Poltergeist: desconectando o aparelho de TV, e deixando-o lá, morto, sob a chuva, antes que seja tarde demais.